No princípio era o verbo: vamos jogar
Se formos olhar bem no início do RPG, ele nasce da iniciativa de jogadores de wargames (ou jogos de guerra, simulações com miniatura de batalhas histórica ou fictícias - no caso, wargames de fantasia), para criar jogos que fossem a um nível de detalhe mais profundo, de forma que sua miniatura de legionário romano não representava mais uma tropa ou esquadrão deles, mas um único legionário. Depois de provavelmente várias experiências que jamais viram a luz do dia (ou uma editora), chegamos na publicação, em 1974, do primeiro D&D - que curiosamente não continha as palavras mágicas role-playing. Na verdade, em sua capa, o descritivo era (aproximadamente) "regras para jogos de guerra (wargames) de fantasia medieval". E não foi um sucesso logo de cara: pouco mais de mil cópias no primeiro ano de publicação. Mas isso iria mudar, e logo.Direto da caixa original: wargames com papel, lápis e miniaturas. |
Retrato de um wargamer enquanto jovem: Dave Arneson é o quinto, a partir da esquerda. Publicado em 1966 no jornal Minneapolis Tribune. |
Com isso, abundavam os fanzines de clubes de jogadores com interpretações e variantes de regras, esclarecimentos e novas - e muitas vezes heréticas - idéias sobre o uso do D&D, especialmente do ponto de vista de um de seus "pais", Gary Gygax. Nas páginas de The Dragon, ele contrapunha-se frequentemente aos fanzines - que segundo ele, "publicavam material de impacto geralmente negativo para as campanhas". O importante para a TSR seria ater-se às regras, artigos, livros e módulos oficiais, publicados pela TSR (não muito diferente de algumas editoras até um dia desses). Ironicamente, os fazines surgiram como uma resposta às inconsistências e falta de clareza dos livros, e eram extremamente populares. Muitos autores de materiais consagrados (e às vezes revolucionários) surgiram dali. Era um período de grande liberdade, de pequenas publicações com distribuição limitada, mas com muita frequência. O que faltava em qualidade e acabamento, estas publicações amadoras (em todos os aspectos) compensavam com entusiasmo e criatividade.
Matéria sem substância: e o role-play?
É curioso notar como no início, o jogo era de uma rigidez técnica que hoje pode até assustar: você sentava-se à mesa para interpretar um personagem que rotineiramente ia a uma complexa estrutura subterrânea para coletar tesouros e lutar contra monstros. E era essa simplicidade de ações que foi um dos maiores atrativos do D&D, incluindo-se aí a já existente (e popular) briga de taverna. Apenas no final dos anos 70 é que a identificação dos jogadores com seus personagens foi concretizando-se - à época, era comum que um dos jogadores atuasse como "porta-voz" do grupo perante o GM, indicando as ações de cada um. E a figura do DM (que nasceu do árbitro de wargame, cujo objetivo era checar o uso correto das regras), começou a ter uma evolução à parte. Diferente do wargame (onde eram oponentes uns dos outros), os jogadores de RPG trabalhavam de modo cooperativo; quem seria então a oposição? O GM sai do papel de mero narrador e árbitro de regras para participante do jogo, e às vezes errando a mão no processo e levando todo o grupo para o caixão. É deste período que surgem os estilos extremos dos DMs "matadores" (cujo objetivo era aplicar a Teoria de Darwin ao RPG) e "Monty Haul" (algo em inglês, como "Sílvio Santos", na linha do "quem quer XPêêê?").A partir do início dos anos 80, a própria substância do jogo sofre modificações - a exploração de dungeons como meras moradias de uma complexa e irracional ecologia de monstros e depósitos sem sentido de tesouros já não é mais o suficiente para a maioria dos jogadores. Surgem cenários mais elaborados, e a temática principal deles muda o foco do combate e da peregrinação pela dungeon para a exploração do mundo além dos mapas de 4x4 quadrados da década anterior. A ficção de fantasia da época, influenciada por autores como J. R. R. Tolkien, Poul Anderson e Michael Moorcock - entre outros - reforçava o imaginário dos jogadores com descrições de vastos espaços onde eles poderiam interagir com mais que armadilhas e monstros.
Começavam aí, de forma irregular, e quase sem se perceber, as fundações do modelo atual de role-play, com inúmeros gêneros, como ficção científica, mistério, horror e super-heróis ocupando o que antes era terreno sagrado da fantasia.
E o Old School?
S&W: meu old school preferido. |
O AD&D, lançado em 77, marcou o primeiro cisma com a edição original. Regras mais detalhadas e complexas, diferenças conceituais (o famigerado THAC0, amado por alguns e odiado por outros), mais classes, mais equipamentos, mais feitiços, mais monstros... ufa! Uma revisão posterior manteve-se como talvez a mais famosa e mais saudosa (e a primeira a ser publicada de maneira regular no Brasil): AD&D Segunda Edição, em 89. Para ela foram feitos os cenários clássicos do D&D, como Forgotten Realms, Dragonlance, Dark Sun, Al-Qadim, Ravenloft e tantos outros que dá vontade de chorar só de lembrar.
Labyrinth Lord, completo e bacana. |
O movimento old school nasce a partir dos círculos de jogadores que se iniciaram no
X-Plorers: FC com gostinho de dungeon. |
Trata-se de uma comunidade claramente independente, onde não existem editoras de grande porte nem vendas maciças de livros, mas ainda assim, uma comunidade organizada, viva e atuante.
E você? já pesnou em jogar RPG em uma época onde ser Elfo era uma classe?
Bom post,
ResponderExcluirGosto muito de qualquer artigo relacionado a história de dnd.
Agora, uma observação.
O ad&d foi desenvolvido por Gygax
E este só veio a sair da TSR em 1985.
Obrigado, Jacome - correção anotada. Na verdade, eu aprecio qualquer informação sobre a história do RPG, de uma maneira geral, mas a gênese do D&D é a gênese também do RPG - um não existe sem o outro, e provavelmente nosso hobby não existiria, pelo menos não da maneira como o conhecemos hoje.
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